sábado, 27 de janeiro de 2007

Re-construção

Viajo com a Thaïs até Vigo (Galícia, Espanha) para ministrar uma palestra sobre a criatividade no dia a dia como fonte de otimismo, convidado por Marisa Real, direitora do Club Faro de Vigo.

vigo-pneu

Como exemplo da chispa que nos leva a ser criativos em qualquer âmbito da vida, falo sobre os numerosos e engenhosos usos que são dados aos pneumáticos usados en todo o mundo, desde solas de alpargatas até brinquedos de criança, passando pela jardinagem ou os protetores laterais das embarcações.

A força para a re-construção é, principalmente, um ato de criatividade empurrada pela esperança de ir para frente; otimismo. No vôo de volta a Barcelona examino Artistas de lo que queda. Las escrituras de Escombros de Zulema Moret, um livro que recomendou faz umas semanas o amigo Txetxu Barandiarán no seu boletim Reposando.

Reconstrução, resurgimento, recuperação.

Essa mesma noite assitimos ao magnífico espetáculo que a comapanhia de Jérôme Savary apresenta em Barcelona até o 25 de fevereiro: La Revista Negra. Trata-se de um musical impecável que repassa a história do jazz e recupera a memória de Josephine Baker e seu famoso (e escandaloso, na época) espetáculo do mesmo nome em París. Um dos achados da montagem é que a ação decorre na Nova Orleans devastada pelo furacão Katrina, com um entranhável pianista que, acompanhado de outros três personagens, zanza sobre uma balsa pelas ruas inundadas da cidade buscando seu piano enquanto lembra os grandes momentos do jazz e suas connotações sociais. Uma história crítica, uma história triste, mas também uma história que transpira a vontade de reconstrução, de renacimento. De resiliencia.

Freqüentemente, estes golpes da vida que tanto receiamos, se transformam em molas que nos empurram para achar soluções mais ou menos criativas para ir para a frente. Olhando o pôr do sol fraco do inverno sobre o Atlântico, espalhando sua luz dourada sobre a ativa ría de Vigo, me lembro do pesadelo escuro do desastre do petroleiro Prestige que bateu estas costas uns anos atrás. Imagens de desespero e impotência misturadas com a solidaridade de muitos voluntários que passaram o Ano Novo de 2003 naquelas praias pretas de petróleo.

[Tradução do autor. Me desculpe os erros]

Enlaces de interesse:
Club Faro de Vigo
Nota sobre a palestra no Club Faro de Vigo
Blog de Txetxu Barandiarán
Jérôme Savary

Receita para fabricar escândalos

Mudar da água para o vinho, usar os meios que a pessoa possui com inteligência criativa e inventiva, acostuma a despertar a mesma simpatia da mítica vitória de David à frente de Golias.

Elvis goes to Hollywood

Vejo uma crônica que escreveu Enric González para o jornal El País o 18 de janeiro sobre a versão da ópera Salomé de Strauss dirigida por Giorgio Albertazzi. Pelo jeito, Albertazzi consiguiu que nos dias prévios se genesse uma polêmica nos meios de comunicação italianos baseada no suposto alto voltagem erótico da montagem, que tinha duas salomés (Francesca Patanè e Maruska Albertazzi) que apareciam peladas e depiladas. O próprio diretor encarregouse de alimentar o escândalo com os detalhes mais apetitosos revelados pouco a pouco, no momento justo -como corresponde a um bom narrador de histórias, tanto sobre papel, como na tela o sobre um cenário.

O interessante do caso é que, pelo que explica a crônica, o balão do escândalo se encheu e cada vez tinha mais pessoas e mais jornais se posicionando á favor e em contra da montagem... e ninguém tinha visto ainda o espetáculo.

Com o excesso de informação ao que estamos submetidos e com esse jogo de espelhos múltiples que mistura a realidade com a ficção quase sem nenhuma fronteira, resulta muito fácil vender gato por lebre enquanto a pessoa baixa a guarda e se esquece de comprovar as provas que sustentam uma informação específica. Não é estranho que um turista despistado que paseie por Holywood Boulevard a meia noite, pegue sua câmara e comence a apertar o disparador como um possesso diante da visão fugaç de um homem vestido com uma capa branca, achando que Elvis continua vivo, como assegura a lenda.

[Tradução do autor. Me desculpe os erros]

Enlaces de interesse:
E. González: 'Salomé' apta para menores
Salomé - Wikipedia
Giorgio Albertazzi
Reparto de la Salomé de Albertazzi
Celebridades en Hollywood Boulevard

domingo, 14 de janeiro de 2007

Na fronteira

No informe anual sobre patentes da Organização Mundial da Propriedade Inteletual (OMPI) acho o dado a seguir: em 2004, os residentes nos Estados Unidos solicitaram 185.536 patentes, enquanto isso, no mesmo período 135.196 patentes foram registradas por não-residentes nesse país (onde representam uma proporção de habitantes muito menor).

En la frontera

Ainda que o dato possa ter numerosas explicações, uma leitura possível é que se mudar de lugar e trocar a rutina -cruzar a fronteira-, junto com a necesidade de ir para frente, estimulam a inventiva, a criatividade.

Uma ou duas vezes no ano repasso os artigos de jornal que pouco a pouco amontoei sobre a mesa para considerar, se os guardo definitivamente, ou se os levo ao contêiner de reciclagem de papel. Esta perspectiva temporal de meio ano permite julgar melhor o interesse das notícias ou as crônicas, com o conhecimento do que aconteceu depois, quais foram o desenlace ou as conseqüências.

Às vezes, este jogo coloca na frente dos olhos histórias que acabam tendo algum denominador comum. Nesta oportunidade, a palavra chave poderia ser "a fronteira".

1.- Libération do 1 de agosto de 2006 contava a situação kafkiana das terras entorno do lago Ontário, onde mora a tribu dos Mohawks. Trata-se de uma zona chamada Akwesasne; alguem traçou sobre ela a fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. Akwesasne está dividida em dois e tem moradores que precisam cruzar a alfandega quatro ou cinco vezes ao dia -com as filas correspondentes- para poder fazer seu trabalho. Inclusive tem casas divididas em dois por uma dessas linhas invisíveis, vestígio da ancestral delimitação do território de muitas espécies animais. Um dos afetados comenta, com ironia: "Uma vez discutí com minha esposa em nosso cuarto de Canadá e ela me mandou ir a dormir no quarto dos lado, nos Estados Unidos".

2.- El País do 29 de outubro de 2006 publicou uma reportagem titulada Os meninos esquecidos da lixeira; descreve o povoado povoado ilegal da Cañada Real Galiana, somente a 10 quilômetros do centro de Madri. Falam que na favela moram millar de meninos que não assistem a escola e vivem entre lixo e droga. Essa situação é notícia com destaque nos jornais da Espanha, onde os meninos da rúa quase não existem e tem uma rede de boas escolas públicas gratuitas. Outra fronteira, a da marginalição e a pobreza; essa, não por ser invisível é menos trágica.

3.- A Folha de São Paulo do 25 de agosto de 2006 publicou uma história que parece ter sido escrita pelo Bocaccio no seu Decamerón. João Pereira da Silva (34 anos, raça negra) furtou uma carteira com 10 reais e está na cadeia há quase dois anos. João Pereira da Silva (28 anos, raça branca) roubou 162 reais com uma arma, foi condenado a três anos e meio, ficou seis meses na prenitenciária e fugiu. Os pais dos dois tem os mesmos nomes. "O João negro" cumpre pena do seu homônimo branco; há um ano, um exame datiloscópico comprovou a confusão, mas a situação continua do mesmo jeito. Alguém cruzou a magrinha e ainda mais invisível fronteira da verdade, a realidade cinzenta, a identidade escorregadia.

A vida consiste em fazer de funâmbulo sobre as fronteiras perigosas que os homens traçamos; passar de um território a outro -ou, pelo contrário, conseguir não cruzar a divisória-, com freqüência requer a habilidade dos equilibristas.


Trapezistas do espetáculo El Gegant dels 7 Mars (Fòrum 2004 - Barcelona)



[Tradução do autor. Me desculpe os erros]

Enlaces de interesse:
Estadísticas sobre patentes de la OMPI
Akwesasne
Primeras naciones de Quebec
Los niños olvidados de Madrid
Bocaccio
'João negro' cumpre pena de 'João branco'
Fòrum de les Cultures - 2004

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Don Quixote na imobiliária

Elas recebem nomes diferentes, mas a essência é a mesma: construções desiguais de madeira, latão, algum tijolo e pouco concreto, amontoadas em colinas que, faz poucos anos eram os aredores das metrópoles.

Ranchitos en Caracas

"Nenhuma destas ruas tem nome / nenhuma destas sombras tem dono (...)" cantava Willie Colón -curiosamente apelidado o arquiteto da salsa urbana-, e parece que ele está descrevendo as favelas cariocas, as villas miseria portenhas, as locations sulafricanas ou os ranchitos de Caracas.

Os fenômenos sociais derivados da dificultade para ter acesso á uma moradia digna ten formas muito diversas. Para chamar a atenção dos políticos ao respeito dos numerosos sem teto de París, faz uns dois meses foi criada a associação Les enfants de Don Quixotte e parece que eles tem conseguido uma resposta do primeiro ministro, quem garante que a França vai considerar a moradia digna como um direito fundamental, igual á educação ou á saúde.

O que resulta curioso é a dinâmica e a reverberação deste processo, que tem os ingredientes a seguir: a sustentação dos meios de comunicação e as novas tecnologias, a originalidade da posta em cena (cem barracas compradas numa loja de esportes e colocadas em fila junto ao canal de Saint Martin), assim como o momento político (poucos meses antes das eleções presidenciais).

Interworld Radio é definida como "uma rede global gratuita para emissoras de rádio e jornalistas, com notícias e programas sobre questões do mundo e contextos locais". Achei-a casualmente, enquanto procurava coisas sobre o impacto da falta de informação e a saúde. Me chamou a atenção uma história de Joel Okao Tema titulada: Morrer pela informação; em ela explica como, faz vinte anos, um distrito de Uganda quedou devastado por uma doença desconhecida que matou centenas de pessoas. O povo a chamava a doença do "magrinho", e foram necessários mais de dez anos até a chegada na área da primeira informação sobre o aids, suas causas e sua prevenção.

Apesar que, freqüentemente, temos a sensação de estar transbordados pela informação, o grande desafio atual é conseguir selecionar a informação essencial e conseguir que chegue a todos de forma confiável e rápida.


[Tradução do autor. Me desculpe os erros.]

Enlaces de interesse:
La revuelta de los hijos de Don Quijote (El País)
El boom de la vivienda y sus consecuencias en Francia (La Vanguardia)
Uganda: morir por la información

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Circo

Na época em que a oferta de emoções era infinitamente mais limitada, a gente assitia ao circo. Em Barcelona, era tradição aproveitar a tarde do 26 de dezembro (feriado na Catalunha), após o segundo almoço familiar consecutivo, apesar que as diferentes companhias de circo ficassem algumas semanas na cidade.

Circ Raluy

A última vez que entrei no circo foi seis anos atrás. Junto com Jordi Nadal e nossas crianças respeitivas, assistimos a sessão matinal do circo Raluy, que por regra geral ergue suas barracas e coloca suas belas carruagens no Port Vell (porto antigo) de Barcelona, frente ao aquário (com seu corredor submergido na piscina dos presumívelmente vorazes tubarões) e o cinema IMAX (com vertigens visuais envolventes e em tres dimensões). Ou seja, emoções em letra maiúscula, para saciar a fome que parece ter a sociedade veloz e epidérmica do século XXI, aquela que rende culto ao descartável.

O circo e seus arredores -com freqüência cobertos pela pátina romántica que nós damos aos mundinhos meio bohemios, meio desconhecidos, com pouca relação com a realidade- tem sido argumento de filmes, cenário de romances e tema de pinturas famosas. Uma exposição no museu Picasso de Barcelona permite fazer um percurso pelas conhecidas referências circenses de Picasso até o próximo fevereiro.

No meu monte (já muito alto) de pendências tenho Mr Vertigo de Paul Auster, a história de um menino orfão e seu mestre Yehudi; o mestre o ensina a levitar e a dupla comença a apresentarse em todos os circos dos Estados Unidos. Umas frases pegadas sem muito buscar:

No fundo, acho que não é preciso nenhum talento especial para que uma pessoa se levante do chão e fique suspesa no ar. Todos levamos isso no interior -homens, mulheres e crianças-, e com suficiente esforço e concentração, todo ser humano é capaz de duplicar ás façanhas que eu fiz quando era Walter o Menino Prodígio. Você tem que aprender a deixar de ser você mesmo. Esse é o ponto de partida, e o resto sai daí. Você tem que se deixar evaporar. Deixar que seus músculos se relaxem, respirar até que você note que sua alma sai de você, e nesse momento, fechar os olhos. Assim é como se faz.

A questião de fundo é, como tantas vezes, saber onde está a fronteira (e quem a delimita). As coisas que são circo e as coisas que não são circo. Da mesma forma que aquele doutor Simão Bacamarte saido da ótima caneta de Machado de Assís que, no O alienista decide fundar uma casa de loucos, onde comença encarcerar pessoas lúcidas.



O malabarista dançante, espetáculo circense-musical no barri Gòtic de Barcelona.

[Tradução do autor. Me desculpe os erros]

Links de interesse:
Circo Raluy
Museo Picasso - Exposición Picasso y el circo